Num momento em que o Brasil discute os limites do poder e o papel das instituições na defesa das garantias individuais, a recente decisão da OAB Nacional de instaurar procedimento para inclusão do ex-juiz federal Marcelo Bretas no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas da Advocacia reforça um princípio essencial: a Justiça só se sustenta com equilíbrio, responsabilidade e respeito às garantias constitucionais. Ninguém está acima da Constituição, nem mesmo quem a aplica.
O caso Bretas se tornou emblemático por uma série de razões. Em 3 de junho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou ao ex-magistrado a pena máxima prevista para juízes vitalícios: a aposentadoria compulsória. A decisão foi unânime, após a análise de três processos administrativos disciplinares que apontaram condutas incompatíveis com a magistratura, incluindo parcialidade, favorecimento ao Ministério Público e até negociação de penas com advogados. Um dos procedimentos, inclusive, foi fruto de representação da própria OAB.
Dias depois, a Ordem aprovou, também por unanimidade, a instauração de um procedimento que pode levar à inclusão de Bretas no cadastro — medida que só será efetivada após a fase de desagravo público, com direito à ampla defesa e contraditório. O motivo? Em 2020, o então juiz determinou buscas e apreensões contra mais de 50 advogados, uma ação classificada como um verdadeiro ataque à advocacia.
É importante lembrar que o Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas da OAB não surgiu agora e tampouco foi criado para este caso específico. Desde sua implementação, o instrumento tem servido para registrar autoridades que, em suas funções, afrontaram direitos e garantias fundamentais da advocacia. Casos de abusos por parte de delegados, promotores e outros juízes já resultaram em registros anteriores, sempre respeitando o devido processo e a ampla defesa.
Dever institucional
Rondônia é um dos estados que mais utilizam o cadastro como ferramenta de responsabilização institucional. Em diferentes ocasiões, desde 2022 a seccional da OAB incluiu no registro casos envolvendo juízes do trabalho, juízes federais, delegados, policiais civis e militares, além de agentes de trânsito. A iniciativa busca criar um histórico formal de condutas que, segundo a advocacia, violaram direitos previstos em lei e exigiram resposta pública.
Trata-se, antes de tudo, de um mecanismo de memória institucional. O cadastro não é um ato de vingança ou de revanche corporativa. Ele é uma resposta republicana, que sinaliza à sociedade que prerrogativas profissionais não são privilégios. São instrumentos de defesa da cidadania. Toda vez que um advogado tem seu direito de atuação violado, quem perde não é apenas a classe: é o cidadão, que fica desprotegido diante do poder estatal.
O caso de Marcelo Bretas é mais um capítulo, talvez o mais notório até agora, de uma luta histórica da advocacia brasileira por respeito às suas prerrogativas. Ao levar esse debate para o centro da pauta pública, a OAB cumpre seu dever institucional de defesa do Estado democrático de Direito.
Mais do que discutir nomes, o que está em jogo é o compromisso das instituições com a legalidade e com a democracia. E é esse compromisso que deve nos guiar, hoje e sempre.