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Nas estradas de chão batido do interior de Rondônia, onde estudar exigia caminhar quilômetros e sonhar parecia coisa de gente grande, nasceu a força da Valentina Franco, a primeira advogada trans do estado de Rondônia a ter seu nome incluído na carteira da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rondônia (OAB RO). Filha de agricultores analfabetos, com muito orgulho carrega suas raízes como combustível para a luta. Aos cinco anos, já sabia o que era trabalhar e, aos nove, liderou uma mobilização para garantir que outras crianças tivessem acesso à escola.
“Com nove anos, eu briguei para que tivesse uma escola mais próxima. E conseguimos. As aulas começaram na casa dos meus avós”, lembra.
Mas o caminho não foi feito apenas de barro e caderno nas costas. Desde muito cedo, Valentina enfrentou as dificuldades impostas pela vida no campo, somadas ao preconceito por ser quem é. As barreiras foram muitas, tanto sociais quanto emocionais, mas ela transformou cada obstáculo em força para seguir em frente.
“Desde que me entendo por gente, eu tive que lutar”, resume, com a firmeza de quem sabe que resistência é também uma forma de existir.
Apesar das inúmeras barreiras sociais, familiares e institucionais, Valentina jamais desistiu. Enxergou na educação a chave da transformação.
“Quem mora de favor tem que trabalhar dobrado. E eu sabia que só estudando eu poderia mudar minha história e da minha família, principalmente da minha mãe. Hoje, tudo o que ela tem fui eu que conquistei para ela, aposentadoria, casa, dignidade de viver uma vida tranquila”, expressou com orgulho.
Em 2018, conseguiu finalmente viver sozinha e exercer a advocacia. Mas a estrada seguiu desafiadora.
“Sempre precisei ser a melhor para ser respeitada. Ser LGBTQIA+ no meio jurídico ainda é um fardo. A gente tem que ser exemplo, modelo, impecável, para poder ocupar um espaço.”
OAB é Inclusão
E ocupou. Hoje, Valentina Franco preside a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Rondônia. Uma conquista que representa mais que um cargo, representa visibilidade, voz e acolhimento.
“Nós não somos anormais. Nós somos especiais. E mais do que isso, somos maioria. O que falta é união.”
Seu trabalho vai além da advocacia. Criou a Associação Humanitária Gerar, Empreender e Valorizar, que já é reconhecida pelo sistema penal e eleitoral.
“A associação nasceu quando percebi que sozinha, como pessoa física, eu não conseguia lutar pelos direitos dos jovens, LGBTQIA+ e da população carente.”
Neste 17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, data criada para promover o respeito e reafirmar os direitos da população LGBTQIA+, Valentina reforça a importância da visibilidade e do apoio mútuo. O Brasil tem avançado em algumas conquistas importantes, como o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, a criminalização da homofobia e transfobia equiparada ao crime de racismo em 2019, o direito à retificação de nome e gênero em cartório sem necessidade de processo judicial, e a possibilidade de pessoas trans acessarem o tratamento hormonal e cirurgias pelo SUS.
“Alguns direitos foram conquistados, sim, mas ainda enfrentamos muitas dificuldades para garantir dignidade no dia a dia. A homofobia continua matando, marginalizando, silenciando. Por isso, a visibilidade é fundamental. Resistir vale a pena. Quero que cada pessoa que se sente invisível saiba: você não está só. Existe espaço para você, e nós vamos ocupar juntos”, afirma Valentina.
A história de Valentina Franco é muito mais do que uma trajetória pessoal de superação, é um símbolo de resistência, coragem e transformação social. A advogada não apenas abriu portas de sua vida, ela escancarou caminhos para que outras possam passar com mais dignidade e menos medo. Sua voz hoje representa milhares que ainda lutam para serem vistos, ouvidos e respeitados.
Texto: Rosa Rodrigues / Jornalista OAB Rondônia